A Poente...

A Poente...
Na Baía de Nacala!

Alfacinha

Alfacinha
encontra Mapebanes

Luso calaico

Luso calaico
visita Etxwabo

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Para casa


Levantei às 5h para sair, ainda escuro, aqui não há mata-bicho: carro coberto de cacimba, hoje vai ser uma longa viagem. Levanto cash no ATM e viro na direção da praia. Marginal de terra, linha de casuarinas e acácias, nascer do sol em prata dourada, avistam-se bastantes barcos à vela ao longo da praia estreita e longa; ao longe (não muito) 5 ilhas identificáveis, com uma espessa camada de verde, quase planas. Regresso à N1, tenho ainda água, sumo de laranja e castanha de caju, vai-me aguentar algum tempo; o piso está em mau estado e a velocidade diminui mas pouco depois, a Norte, passo a grande ponte metálica sobre o Rio Save, fronteira simbólica entre o Sul e o Norte do País, limite das Províncias de Inhambane e Sofala. Aqui já houve grandes peripécias de guerra e posse! Alguns soldados, alguns polícias, conversam tranquilamente sentados. Pago a portagem, 20 Mt. Tranquilamente, passo sem qualquer reparo e tiro umas fotografias. Do outro lado, um longo troço de floresta não muito expessa, re-atesto o gazóleo em Muchungue (vou com 1.105 km), compro um arco e 4 flechas, tangerinas e laranjas; aparece entretanto a placa indicando entrada na Província de Manica; finalmente à esquerda no horizonte, muito ao fundo, o pico do Monte Binga destaca-se na cordilheira oeste. Mas está muito fumo no ar e vê-se mal. Chego ao cruzamento de Inchope, sempre a andar, estou outra vez em Sofala, passo Gorongosa, atravesso incêndios de mata mesmo em cima da estrada e paro para apreçar as batatas num pequeno aglomerado de barracas e vendedores; mas está caro. Retomo o volante e acelero; passando Matondo um galo lança-se na roda da frente da esquerda, mantenho a velocidade – aqui dizem que se deve parar para pagar o galo, se não haverá feitiço, mas eu, sem abrandar, rápidamente chego a Caia para parar finalmente e atestar de diesel (1.568 km até aqui, tenho um consumo médio de 10,2 l de diesel por 100 km, o que não é nada mau), mijar e tomar um café. Várias crianças estão a pedir, um vende pequenos pilões de madeira castanha brilhante. Retomo a passagem da Ponte Emilio Guebuza, lentamente, pago 100 Mt de portagem, olhando ao longe sobre o vastíssimo Rio Zambeze. Entro na Zambézia, passo a tabuleta do Cuácua Lodge ao fundo á direita, paro no Zero para comprar mel na cooperativa dos apicultores de Morrumbala e Mopeia. A miudagem reune-se a apreciar. Arranco mas a estrada está cheia de pessoas e bicicletas com enormes sacos de carvão, tem curvas e pontes, atravessa muitas “aldeias rodoviárias”, barracas; muita gente a cruzar a estrada e já é noite quando chego a Nicoadala. Sigo para Quelimane, mais 30 minutos, para chegar a casa aos 1.785 Km. Cansado, mas muito bem!

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Religiões da África Negra

Em África, o homem é essencialmente concebido como uma pessoa, isto é, como uma síntese dinâmica de um conjunto de componentes de proveniências e destinos diversos. Dessas componentes, a primeira é o sopro, por toda a parte reconhecido como obra exclusiva do Criador. Chamado émi entre os Iorubas e gbigbo entre os Fons, o sopro não é apanágio exclusivo do ser humano. É a marca do que é vivo e une numa verdadeira comunidade todos os seres vivos, tanto os animais como as plantas.

Segunda componente da pessoa: o corpo. Pela sua materialidade, o corpo é o elemento mais tangível da relação com outrem e, em especial, com os progenitores. Habitáculo do sopro e ao mesmo tempo receptáculo de todas as influências susceptíveis de afectarem o homem, ele é a principal fonte da acção do humano sobre si mesmo e sobre o seu meio.

As componentes imateriais do homem são: éda, entre os Iorubas, o “homem-mesmo”, a sua ligação directa com o Ser Supremo; okan, o coração; iku, morte; kpori, cabeça interior invisivel e essencial.

Além destas componentes comuns, o homem pode ter componentes específicas, cuja aquisição é própria de um indivíduo ou de um grupo: Oduifá, os signos primordiais; Ogum, feitiço; Adjé, feitiçaria; Tohossu, vítima.

Ao exceder a consciência individual, a pessoa revela-se ser um espaço em que o grupo pode intervir tanto como o próprio ego. Este é um dado essencial do estatuto do ser humano no pensamento africano, fundamentalmente o de “ser em relação”.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Religiões Bantu

Na religião Ioruba, quando aprouve ao Ser Supremo (Olorum) criar o mundo (Aié), foi a Oduduá que confiou essa importante missão. Em língua iorubana o nome genérico dos deuses é Orixá. Assim, Oduduá, que recebeu do Ser Supremo a missão de criar o mundo, é um Orixá, tal como Obatalá, que recebeu ordem para dar forma aos humanos.

Na religião Fali, na origem do mundo acham-se um ovo de tartaruga e um ovo de sapo. O primeiro homem foi To Dino, que por ocasião da segunda descida à terra, tomou a forma do ferreiro.

Na Religião Dogom, Amma é o nome que dão ao Ser Supremo, Deus, criador de todas as coisas. Na origem de todas as coisas achava-se o ovo de Amma. Os primeiros homens foram formados no céu, como os quatro pares de deuses, os Nonno anagonno.

Como é que os Bantos Designam Deus? Nas línguas bantos, línguas com classes, que repartem a totalidade do real por um número limitado de classes reconhecíveis, existem quatro classes de seres: o ser-substância de inteligência (o homem); o ser-substância sem inteligência (a coisa); o ser-localizador (lugar-tempo); o ser-modal (maneira de ser ou acidentalidade). O primeiro sinal distintivo do Ser Supremo é o ser declarado como não pertencente a qualquer das classes usuais de seres. Para os Bantos, o Ser Supremo ou Deus, afirma-se transcendente porque está fora das classes, acima das classes, antes de todas as classes.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

O Confucionismo será uma religião?

O neoconfucionismo, rejeitando a tese de Xunzi (325-255 AC), que defendia que a natureza humana está em excesso viciada pelo egoísmo para que nela apareça ainda a espontaneidade do Bem original, reivindica a herança da doutrina de Mêncio (385-304 AC), para quem, pelo contrário, a prova de que a bondade natural não se desvanece nunca por completo no mais fundo do coração humano, está em que ninguém verá nunca sem emoção uma criança cair a um poço (Léon Vandermeersch, O Confucionismo, As Grandes Religiões do Mundo, Jean Delumeau, Editorial Presença, Queluz de Baixo, 2002).

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Manas...



10, 9, 8, 7, ...



O dia amanheceu com muito sol e céu azul claro. Existem movimentos de reivindicação autonomista na Argelia, por parte dos Berberes (Kabiles e Tuaregs), e que aparentemente se preparam mudanças de vulto no regime. Será “do mal o menos”? Fiquei bem disposto, claro.Fui buscar 5 sacos de arroz em Namacata e transportei-os para Nicoadala. Ainda sem notícias de Maputo. Compras, fazer o jantar: bifes com esparguete e salada. A X. há-de vir, o A. há-de comer. A Z. reivindica os seus valores culturais (família alargada), o A. também. Pela leitura dos jornais, entre Taoismo e Confucionismo (As Grandes Religiões do Mundo), aparecem alguns escândalos políticos e algumas coisas interessantes.


Junios, ou outros...o que conta de facto é o ritmo...entre as músicas e os stars sul africanos introduzidos pelo A., as recolhas da Tanzania, Malawi e Zimbabwe, falta ainda os lock in (gravações no mato) locais. RTP África, punhetas de políticos decrépitos, quem quer saber das cortesias dos boys do PS? Depois de um ótimo jantar, com discussão étnico-linguistico-cultural, bazámos para o Kopus, com DJ extra out, girls realidade e Etxwabo Xíntoista. Dasafia qualquer multiculturalidade. Namoradas à força. Díficil resistir. Mas, sem stress, segue-se o caminho. Um SAm, um etxchwabo, um portuga, um ronga, uma moçambicana da tribo branca, um portuga nascido em Gurue, cá fora. Dois russos, 2 chineses, 2 moçambicanos e 3 moçambinanas lá dentro. Noite na marginal de Quelimane, tranquilamente mareada.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A caravela de granito encalhada

A construção da caravela de granito

A faixa ocidental da península Ibérica apresenta 3 núcleos culturais, separados de norte a sul pelo rio Douro e pelo sistema Tejo – Sado, bem individualizados desde a pre – história. Cerca de 700 anos antes de Cristo, no Bronze final, as 3 pertenciam a um grupo individualizado a nível continental, o Bronze Atlântico, com predomínio da cultura Celta.

A ocupação pelo Império Romano, instalou um sentimento de derrota e de esperança nos vencidos, ligando verticalmente as 3 regiões pelas vias e pela língua, o latim.

Os galegos, lusitanos e futuros portugueses, herdaram um sentimento de perca, transmitido pelo mito da morte de Viriato, que fazendo parte da mitologia Celta, tão bem ilustrada pela lenda do Rei Artur, ou mais tarde reinventada para a batalha de Alcácer Quibir e a morte de D. Sebastião, prevê o regresso do Mestre do outro mundo, revigorado para o bem do seu povo.

As comunidades humanas residentes no noroeste da península ibérica, têm resistido ao longo dos últimos 3 milénios às sucessivas vagas de invasão civilizacional, conseguindo após um período de tempo variável, a recriação de modelos sociais contendo arcaísmos próprios. Esta capacidade de resistência à inovação, limita as influências externas, positivas e negativas, dificultando a projecção dos territórios numa dinâmica de futuro sustentável.

È do extremo Norte desta faixa Ocidental que se lança a Reconquista em 800, criando um novo modelo administrativo do território suportado pelas divisões religiosas e pelos mosteiros e Igrejas.

Após 300 anos deste Feudalismo, um sobressalto familiar, um erro histórico, uma falha na construção da caravela de granito, o Condado Portucalence separa-se da Galiza. Os organizadores administrativos do processo separam-se do resto do barco, ficando confinados ao “Convés dos Oficiais”. De facto foi a luta interna no próprio sistema administrativo da Igreja que motivou esta cisão. Se entre 800 e 1.100 Santiago de Compostela representava o grande polo mobilizador da reconquista cristã, das peregrinações e das cruzadas, a partir de então, o ressurgimento de Braga com direitos “metropolitas” herdados do início do milénio precedente, veio disputar uma nova área de influência, em dioceses que se estendiam até Mérida. Foram assim disputas de interesses materiais (fundiários, patrimoniais e de influência) entre membros da Igreja Católica, que separaram Portugal da Galiza.

Os novos oficiais, em 200 anos ocupam toda a faixa até ao Sul Atlântico, dando por terminada a construção da “Caravela”, com o apoio das Ordens Religiosas Militares. Em 1254 decorre a primeira experiência parlamentar no Paço do Castelo de Leiria (antes da “invenção” Inglesa). Afonso III, em 1275, tinha montado com certa habilidade política o aparelho burocrático em que assentava a centralização régia. O cuidado administrativo permitiu-lhe aumentar os rendimentos da coroa e, por isso, sustentar um corpo de servidores cheios de zelo que assegurava a eficiência da máquina estatal por ele construída.

“O velho Portugal esteve ligado aos cuidados de construção interior, na primeira dinastia até ao D. Dinis, interessado em crescer, em ser, em afirmar-se” (Agostinho da Silva).

D. Dinis, o grande projectista concebe a construção do Paraíso na Terra, o reino do Espírito Santo: organizando a produção agrícola e distribuindo terras, plantando florestas para a produção de madeira, construindo barcos e organizando as confrarias de artífices, fundando uma universidade assente no aprender, enviando pessoas para estudar no estrangeiro, implementando os rituais do espírito santo na igreja católica, imagina um caminho de descoberta universal e de cooperação humana global.

D. Dinis, filho de Afonso III, começa a reinar em meados de 1278 e terá até ao fim da sua vida desenhado o país de hoje, a caravela de granito posicionada no quadro global (relações com reinos não peninsulares) e regional (política peninsular) com a sua organização interna de oficiais, marujos e outros (política de nacionalização). A obra é impressionante.
1. Relações com os reinos não peninsulares
o A expansão do comercio português em direcção ao Atlântico Norte materializou-se na realização de um Tratado de Comercio com o Rei Eduardo III de Inglaterra (1308) e com a obtenção de uma Concessão Colectiva aos mercadores portugueses de Harfleur, França, por Filipe IV, o Belo (1310).
o D. Dinis confirma a Bolsa dos Mercadores que trabalham na Flandres, Inglaterra, Normandia, Bretanha e La Rochelle e protege também os comerciantes portugueses na Inglaterra e Aragão.
2. Política peninsular
o Na península, Portugal subsiste como reino verdadeiramente independente no âmbito da Hispânia. O tratado celebrado fixou até aos nossos dias a demarcação territorial entre Portugal e Castela, considerada a linha de fronteira mais estável da Europa. D. Dinis construiu ou reparou os castelos fronteiriços, aperfeiçoou o exército e o equipamento militar necessário à defesa, e reorganiza administrativamente as cidades de fronteira.
o O Rei de Portugal é considerado como um interlocutor essencial e com autoridade política respeitada por todos.
3. Política de nacionalização
o Criação de um exército operacional, instituindo a obrigação de cada Concelho de fornecer e armar uns tantos “besteiros” (“besteiros do conto”).
o Criação dos Coutos de Homiziados (1308), para cumprimento das penas por crimes em lugares com importância militar perto da fronteira, permitindo assegurar a defesa dessas zonas quando pouco povoadas.
o Criação de uma força naval e de uma armada militarmente eficaz, capaz de combater a pirataria sarracena. A criação desta grande frota marítima beneficia da aplicação do dízimo dos rendimentos de todas as igrejas do reino, que o Papa concedeu ao Rei em 1320 para combater os muçulmanos.
o Torna independentes de províncias não portuguesas (“nacionalização”) as Ordens Militares que existiam em Portugal (Ordem de Sant’Iago, Ordem do Templo) e cria a Ordem de Cristo (1319 a partir da Ordem do Templo).
o Adopta a língua vulgar (Português) nos documentos oficiais de chancelaria (1296), assumindo a predominância do civil sobre o eclesiástico (latim), do profano sobre o sagrado, difundindo o processo de racionalização administrativa através da língua própria do Reino.
o Criação dos Estudos Gerais (estudo geral para toda a gente e geral para todos os estudos), mais tarde Universidade (em Lisboa, 1288 passando a Coimbra em 1309), dispondo de um corpo de clérigos e juristas que pudessem colocar os seus conhecimentos ao serviço da Igreja e da Administração Pública nacionais.
o Protecção dos Concelhos.
o Multiplicação dos privilégios a Feiras.
o Fomento da exploração mineira.
o Secagem de pântanos, desbravamento de matas, fundação de póvoas junto ao mar e na fronteira galega.
o Realiza o primeiro gesto de fomento florestal em larga escala com uma espécie vegetal adequada (Pinheiros Bravos entre Leiria e o mar).
o D. Dinis (o Rei Poeta) casa-se com D. Isabel em Trancoso (1282), a única Rainha Santa de Portugal, que promove um ideal de pobreza pela devoção de inspiração franciscana e que funda casas para a regeneração de mulheres que praticam a prostituição.

Com D. Dinis, “cabeça e começamento do povo todo”, o rei purga-se de peias feudais e impõe-se como chefe de Estado. El-Rei torna-se a palavra-figura polarizadora da unidade e da ordem.

O rumo da caravela de granito

“A economia de Portugal era no tempo de D. Dinís, uma economia de ajuda mútua, uma economia de convivência, de cooperação. As pessoas se juntavam, se associavam sem grandes formalismos, cultivavam em comum, repartiam os produtos, às vezes em economia de mercado, outras vezes de outra maneira. Aquilo que se tem chamado comunitarismo agro-pastoril, florestal e talvez até marítimo é o que aparece como característica nítida de uma economia portuguesa na Idade Média, sobretudo naquilo a que podemos chamar a economia da grande massa da população, a economia do povo. Se podemos pôr como característica fundamental da economia portuguesa da Idade Média, no seu sector povo, que era o maior em número (mais de 98%), a convivência, a cooperação, a fraternidade, que não só ficou em Portugal, mas, por exemplo, se transportou ao Brasil com o mutirão e o batalhão. Tem mais de vinte sinónimos o que mostra como se espalhou pelo Brasil. Quando uma coisa nova se espalha, os sinónimos são muitos. È o caso do mutirão ou batalhão, que é uma forma de economia colectiva e que hoje o estado Brasileiro aproveita muito. O rei era um rei que procurava coordenar as repúblicas municipalistas e que exercia pela sua coordenação e pelas reuniões de corte um poder democrático.” (Agostinho da Silva)

“Portugal levava para os descobrimentos um espírito composto e multiplicou-se em vários corpos. Espírito composto de um amor apaixonado pelo imprevisível, a que eles chamavam Espírito Santo, a figura do imprevisível na terra, e por outro lado uma infinita capacidade de albergar os contrários. Então os portugueses chegam à Guiné e o corpo de Portugal casa com o corpo de Africa, o qual tinha um espírito. Depois em lugares que estavam despovoados, por exemplo os Açores. Há uma partida de Portugal logo no tempo do Infante D. Henrique, em que saem de Portugal homens que vão fundamentalmente ser o melhor de Portugal fora dele.” (Agostinho da Silva).

O Bodo é o culminar das festividades realizadas entre os Domingos de Páscoa e de Pentecostes em honra do Divino Espírito Santo e simboliza a partilha entre os homens. Em Portugal, foram D. Dinis e a rainha Santa Isabel os monarcas inauguradores deste cerimonial religioso. Reza a tradição que a primeira cerimónia deste culto se realizou na Sé de Coimbra e que dela constou a coroação simbólica de um mendigo, seguida da distribuição de alimentos aos pobres, ou seja, do Bodo.

A partir desta data, o ritual disseminou-se pelo país e, nalguns locais, sobreviveu até ao presente. Já não se distribuem açafatas de confeitos ou cambos de peixe, como outrora em Pombal. Mas na aldeia de Espírito Santo, em Soure, ainda se compartem por esta ocasião pinhões e bolos; na Batalha, saboreiam-se as ferraduras de limão, canela e erva-doce; e, nalgumas freguesias açorianas, corre o vinho de cheiro e ofertam-se rosquilhas de massa sovada.

“Por volta de 1641, o Padre António Vieira disse que Portugal devia ser o instaurador do Quinto Império, quando Portugal compreendia o Brasil, as Áfricas e muito Oriente, era um Portugal em que havia índios, pretos, chineses, japoneses, malaios e indianos. Pendurada no total do povo, há a questão do Império do Espírito Santo. A coisa mais vasta e profunda que houve em Portugal quanto a uma ideia do futuro a ser instaurado é exactamente essa do Império do Espírito Santo. Vieira tinha a ideia da instauração de alguma coisa de diferente, de final e de pleno, cumpridor da humanidade no mundo, e que isso ia ser feito a partir de Portugal: tratava-se de fazer no mundo o reino de Deus. O Império de Vieira é um império de libertar gente de todas as pressões dos outros impérios, o florescer de todas as comunidades da Terra.”

O encalhamento da caravela de granito

Quando D. Dinis morreu, em 1325, foi-se com ele a escola da literatura galego-portuguesa, ou trovadoresca .

D. Afonso IV, filho de D. Dinis, ficou ligado definitivamente, traço sombrio, à tragédia de Inês de Castro, primeiro crime notório perpetrado em Portugal em nome da Razão de Estado.

Em 1348 a Peste Negra entra em Portugal, prolongando-se em vários surtos até 1497, reduzindo a população de um terço em algumas regiões rurais até cerca de metade nos núcleos urbanos. De 1355 a 1496 surgem inúmeras crises cerealíferas de subprodução, conhecidas como “Fomes”. De 1369 a 1477 travam-se várias guerras civis e contra Castela. Estes factores provocam a penúria demográfica do país.

“Quando Portugal foi para o mar, uma das consequências que teve foi que se desbastou o Pinhal de Leiria. Desbastado o pinhal, a areia entrava e entrou na cabeça e no coração das pessoas. Contemporaneamente à ida para o mar, entraram em Portugal determinadas atitudes. O que se importou como religião na altura em que o país quebra, sobretudo a religião que vai ser confirmada pelo Concilio de Trento, foi a condenação da religião do Espírito Santo. Isso quebrou o país dentro. Os descobrimentos prejudicaram o país, porque passou a ser fácil enriquecer. Bastava ir e pilhar. Toda a gente que não queria fazer nenhum esforço de trabalho resolveu mudar de vida e lançar-se a essa aventura e empresa estatal dos Descobrimentos, e isso levou aqueles que ficam em Portugal a viver daquilo que colhíamos lá fora, portanto a não tomar nenhuma espécie de iniciativa. Dentro do país foi para toda a gente uma coisa desanimadora, não havia nada que incitasse a coisa nenhuma ! D. João II queria imitar o imperador romano, mas o povo não estava satisfeito com um rei desse tipo. E aquilo que fazia não desprender o homem as mãos do leme não era o D. João II, era a memória daqueles reis que tinham sido muito diferentes de D. João II “ .

Em 1411 inicia-se o comércio de escravos pretos da Guiné. Nesta época afirma-se o absolutismo real, a centralização do poder (administrativo e simbólico) e a monetarização da economia (passando a ser fiduciária).

“Portugal, do século XIV para o século XV, muda, há uma crise. Chega aí a Europa para embarcar para o mar, misturando eslavos e germanos com os romanos que tinham sobrado e com os judeus, os cristãos que vinham pregar o Cristo, um caldo pronto a vender ao mundo, numa altura em que Portugal tem navios para levarem a mercadoria por aí fora. Mas a mercadoria queria outros costumes contraditórios com o que tinha sido Portugal até aí. O que a Europa trouxe para Portugal foi, número um, uma economia capitalista, mercantil, de concorrência e de luta. A economia comunitarista dos portugueses foi liquidada por essa chegada de um capitalismo mercantil que vinha da Europa. A Europa trouxe também uma igreja de código, e o português não foi feito para se governar por código, mas antes pela sua imaginação, pelo seu sonho e pela sua vontade. Pela sua capacidade e pela sua vontade de ser total. A religião do culto do Espírito Santo não sobrevive em Portugal a partir do século XVI.“

A história do poder municipal nos séculos XIV e XV é a história da aliança ou divórcio entre monarcas e burgueses. Mais aliança que divórcio. O que significou degradação das autonomias locais e cerceamento da promoção política dos moradores.

Diz-se que os clérigos (1% da população) tiveram uma vida moral péssima nos séculos XIV e XV. E tal parece ter sucedido. Pegando na lista dos sete pecados capitais, diríamos que todos foram bem cultivados, apesar dos assíduos discursos em defesa da excelência das virtudes contrárias.

Para a “nobreza” de 1400, o “proveito fidalgo” virou burguês. Dinheiro. A antiga noção, “proveito – terras – jurisdições”, continuou ainda, sem dúvida. E com grande ênfase. É prestigio, honra palpável. Mas com o cesarismo monárquico, a burocratização da justiça e da administração, a grande mobilidade social e geográfica, a transferência da qualidade de vida para as cidades, a afirmação de uma mentalidade quantitativa que hegemoniza o ter sobre o ser, o apreço cada vez maior do luxo e sumptuosidade no comer, no vestir e no habitar, a compulsão para ter escravos, o pré-capitalismo em fim – tudo isso e muito mais virou a cabeça dos nobres.

O grupo popular, em termos de conflitualidades internas e de relacionamento com os nobres e os clérigos, seguiu a regra geral: divisão, efervescência, salve-se quem puder. Na cidade e no campo. Burgueses contra mesteirais, estes contra aqueles, os de intramuros contra os de arrabaldes, vice-versa também, todos contra os aldeãos e os aldeãos a suportá-los na desconfiança e na inveja, só porque precisavam de subsistir. Uma sociedade de atritos. Que só duas forças parecem manter em equilibrio instável: a necessidade e o medo. Necessidade uns dos outros e medo das justiças; mais das humanas do que das divinas.

A socialidade dos portugueses nos séculos XIV e XV caracterizou-se pelo conflito e a luta. Isso tanto no interior dos grupos como nos grupos entre si. São séculos de crise e de rápida transformação.

No século XV, foi devido ao dinheiro que se esboroaram fronteiras societárias. Começando pelo grupo popular. Os burgueses deveram-lhe o acesso ao poder local e a franquia de espaços de autoridade nacional – como o das cortes, por exemplo. Graças a ele, a mobilidade social estatutária pôde verificar-se rompendo séculos de mentalidade e teoria. Os reis e nobres procuraram-no por todos os meios, não hesitando muitas vezes trocar a cota guerreira pela capa do mercador. A própria guerra cada vez mais têm de pensá-lo antes de se decidir. Nos finais da Idade Média, desde o cabaneiro pagador de impostos múltiplos até aos senhores e aos reis que os colhiam, o dinheiro foi a grande obsessão. Ter ou não ter começou a impor-se como o modo da diferença.

“A Inquisição aparece com vários aspectos. O pensamento do rei D. João III, começado com D. Afonso IV (Inês de Castro) e acentuado por D. João II, possivelmente inspirado pelo processo espanhol, produz a ideia de ter um país forte, um país uno, só com uma voz, que pusesse para fora todos os elementos espúrios; e esse pode ter sido o motor fundamental da Inquisição a par de outros (religiosos e económicos). Isto inclui o abatimento de todos quantos ousavam pensar pela própria cabeça. Como que passou a haver uma mentalidade oficial que todo o país devia seguir.”

Em 1538 a Inquisição inicia a “queima de Hereges” em Lisboa, na praça do Rossio. Os oficiais amotinados, exterminam todos os que pensam diferente, transformando o projecto humanista e universalista num negócio global, da pimenta à escravatura. Os marujos desnorteados, trabalham descoordenadamente ou emigram. A caravela encalhou, a sua velocidade passou a um centímetro por século, a velocidade das placas tectonicas.

(outras referências bibliográficas importantes)
A Pré – História de Portugal.
Antes de Portugal.
O Livro do Desassossego, Bernardo Soares (Fernando Pessoa).

Na caravela de granito encalhada adornando a estibordo contra rochedo bem visível (buraco negro da antiga Olisipo), deparamos com o comandante piloto, morto, caído para o lado direito e amarrado pelos pulsos à roda do Leme, na torre da caravela, o planalto Barrosão; no convés dos oficiais, a Galiza, bebe-se e come-se bem; os oficiais amotinados não querem saber de viajem ou de dirigir qualquer empresa; os marujos desnorteados, concentram-se a estibordo avaliando as possibilidades de naufrágio, alguns remam, outros recolhem velas, outros tratam do cordame.

2002, Novembro: o Director (auto-exonerado) do Centro de Saúde de Montalegre), dá despacho desfavorável ao pedido de requisição da AMI do Dr. Paulo Pires para uma missão de 3 meses na Guiné, Bissau. Desde há muito que me considero escravo (por oposição àqueles que nascem em casas onde todos sabem que nunca precisarão de fazer nada na vida para sobreviver e tudo por prazer ou desprazer). Alugar a força do trabalho é assim uma condição natural. No entanto recuso-me ser um remador acorrentado aos bancos da galé Caravela.

De tudo já fiz um pouco. Quase tudo já experimentei. Conheço o futuro dos projectos, antevejo o desenrolar dos acontecimentos e consigo já prever as situações de bloqueio. Perdeu interesse esta luta de 20 anos pelo desenvolvimento em Trás-os-Montes. As conquistas e os sucessos são muitos, mas não me preenchem as medidas, sobretudo a nível profissional. Conseguidas muitas vitórias, não ganhamos a batalha definitiva: a maré do consumismo individualista invade já o Barroso, a espuma dos resíduos “químicos” molha as fraldas das montanhas e intoxica os seus habitantes.

O projecto de intervenção em Saúde Comunitária, longamente trabalhado, quase materializado na COOPSA, cooperativa de promoção da saúde, parece impossível por perseguição política autárquica – quem acreditava que viviamos numa democracia? Não vale a pena continuar a trabalhar dentro de um sistema ultrapassado, de baixa rentabilidade humana e pouquíssima inteligência. Nem numa comunidade de solidariedade minada, de tristeza inata, de inveja velada.

Eras sobre eras se somem no tempo que em eras vem. Ser descontente é ser homem .

Frases do Mundo

“O facto mais incompreensível no Universo è que ele é compreensível”, Albert Einstein (1879 – 1955), físico e matemático.

“A partir de complexidades intensas imergem simplicidades intensas”, Sir Wiston Churchil (1874 – 1965), escritor e homem de estado britânico.

“Desconhecer aquilo que aconteceu antes de nasceres é permanecer uma criança para sempre”, Marco T. Cicero (106 BC – 43 BC), professor, homem de estado, orador romano.

“Se fiz algumas descobertas de valor, foi mais devido a uma atenção paciente que a qualquer outro talento”
Isaac Newton (1642-1727), matemático e físico inglês.

“Um homem viaja através do mundo à procura do que necessita, e volta a casa para o encontrar”, George Moore (1852 – 1933), escritor, poeta e dramaturgo irlandês.

“Os factos não deixam de existir por serem ignorados”
Aldous Huxley (1894-1963), novelista, crítico e poeta inglês.

“Uma experiência nunca é um falhanço porque serve sempre para mostrar alguma coisa”, Thomas Alva Edison (1847 – 1931), físico e inventor estado unidense.

“O futuro vem devagar, o presente foge e o passado permanece fixo para sempre”, Friedrich von Schiller (1759-1805), poeta e dramaturgo alemão.

“A essência do conhecimento é: tendo-o, aplica-lo; não o tendo, confessar a sua ignorância”, Confucius (551- 479 AC), filósofo chinês.

“O que é passado é prólogo”, William Shakespeare (1564 – 1616), poeta e dramaturgo inglês.