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Na Baía de Nacala!

Alfacinha

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Luso calaico

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domingo, 29 de novembro de 2009

Eleições em Moçambique

O clima geral è calmo, os resultados não espantaram ninguém, embora tivessem havido algumas escaramuças localisadas. A democracia funciona maioritariamente, identificando alguns problemas específicos. Começaram as mangas e os lichies e o calor vai aumentando temperado por algum vento.

domingo, 8 de novembro de 2009

A descoberta de Iunga

Saio cedo da empresa, passo em casa buscar o essencial, paro na marginal, a maré está quase cheia e o movimento é intenso. Vou a pé ver como está o barco atracado e pago o bilhete. De marcha atráz, meto o Surf na rampa do porto da população de Quelimane, manobra delicada para entrar no ferry que já tinha um camião grande (recuou ligeiramente o máximo antes de eu chegar), ficando as rodas da frente bem sobre a rampa de carga do barco, cheio de gente, bicicletas carregadas de pesados sacos e motorizadas. Depois da sirene saimos pelas 16h 30 e em 10 minutos atravessamos o Bons Sinais e estamos a desembarcar na Recamba, já Distrito de Inhassunge. Seguimos directos pela péssima pista de areia, muito irregular, cheia de lombas e buracos, numa paisagem plana de capim e mangal ao longe, em breve arrozais a perder de vista, árvores de tronco amarelo e verde alface, inclinadas e elegantes, até Mucupia, sede do Distrito. Paragem logo à entrada no amigo Macangi, reserva de quarto e de jantar. Agitação no ar, vários carros e brigadas de diferentes candidatos às eleições Presidenciais, Legislativas e Provinciais em acção, colam cartazes neste fim de tarde quente. Passamos para o outro extremo da Vila até casa da avó, junto ao cemitério onde estão enterrados a maior parte dos familiares, em especial o Avô e o Pai – túmulo em terra. A família reune-se e ouve as visitas: vinham para limpar a campa do pai e pôr flores. Muito bem, amanhã de facto já havia um “programa” para aquela pequena comunidade: a limpeza geral do cemitério; começará muito cedo, por volta das 6h. Agradecemos e despedimos, está a escurecer. Deslocamos-nos para próximo, noutro bairro, paramos e visitamos uma tia avó, tida como um pouco louca, é convidada para participar também no dia seguinte e é-lhe pedido que não se venha a zangar. Diz que sim, que virá e de maneira nenhuma se irá zangar. Continuamos um pouco mais, no meio de coqueiros, arbustos, mangueiras, cajueiros, capim alto, paramos e deixamos o carro que não passará uma certa vala; seguimos a pé entre as palhotas e chegamos a outra casa dos avós. Esta avó, será aquela que detém a permissão de acesso à ilha deserta, propriedade da família, herança do Avô, chamada Iunga. Está difícil, um determinado tio deveria também autorizar. A visitante discorda a conversa anima. De qualquer das maneiras terá que ser feito o Mucuto (cerimónia). Veremos amanhã se conseguimos organizar a expedição; o avô lamenta que se tenha reservado quarto na pensão; gostaria que se dormisse ali mesmo, pensa que foi uma escolha totalmente errada; não queriamos incomodar, também o medo dos mosquitos. Talvez amanhã, se formos à ilha. Despedimos-nos e voltamos à pensão. Um bom jantar de peixe fresco, batatas fritas, salada de tomate e cebola, laurentina bem gelada, café. A musica, entre passada, kizomba e marrabenta, está mesmo boa. Amena conversa com o Sr. Macanji, personagem educadíssimo, bem disposto e ótima companhia. Vamos dormir que amanhã há que levantar antes do sol.

sábado, 7 de novembro de 2009

Buscando raízes

Levantamos cedo na calma do Macanji e saimos mesmo sem tomar o mata-bicho, atravessando Mucupia, pouca gente na rua, voltando na saida para Gonhane, virando logo à direita na margem do palmar, mais uma vez à direita para dentro, algumas palhotas, a pista imagina-se para chegar ao Cemitério familiar pelas 7h. Cerca de 40 pessoas distribuem-se por uma àrea rectangular, com alguns coqueiros, aquelas àrvores pequenas de folhas verde garrafa grandes e flores brancas muito bem cheirosas, varrendo, arrancando arbustos, cortando a erva, retificando os túmulos em terra, arranjando flores, falando. Várias campas em cimento são grandes e apresentam 3 ou 4 cruzes. Uma oração solitária. Afasto-me para ouvir os pássaros. Troco os bons dias com raros passantes. As crianças, muitas, aproximam-se: claro, não faltam os rebuçados de coco. Concluidos os trabalhos, as pessoas retiram-se em pequenos grupos, os da família mais próxima regressam à palhota da avó e lavam-se com a água do buraco pouco fundo, perto do declive para a baixa onde se semeia o arroz. Também bebem esta água turva acastanhada, não a fervem, não a tratam, dizem que estão habituados, não lhes faz mal. Sentamos-nos nas cadeiras dispostas em fila logo à nossa chegada e as conversas rolam em Português, Macarungo e Chuabo (Etxwabo). Aqueles que não vieram participar na limpeza do Cemitério, deverão dar um contributo em dinheiro. A neta deixa 50 Meticais e um sabonete. Despedimos e agradecemos. Seguimos já ao fim da manhã para a zona da outra avó, não muito longe, do lado (do Seminário) dos Padres junto ao estuário. O Avô recebe-nos animado e insiste muito na necessidade de ficarmos a dormir aqui hoje, na medida em que para ir à ilha terá de ser feita uma cerimónia e assim a visita deverá permanecer na casa da família. Chega um tio e mais outro, um primo e mais outro. À sombra do pequeno rectangulo de paus cobertos pela trepadeira de maracujá, fala-se da vida de cada um, das história passadas, sempre muito engraçadas, do comportamento deste e daquele familiar. Por tráz das duas palhotas está em curso a construção de salinas, com umas dez pessoas a trabalhar na remoção e alisamento de terra – o chamado “matope”; o problema até agora era que os tanques não conseguiam reter a àgua; mas mais recentemente, há já meia duzia de tanques que parecem funcionar; não se sabe ainda quando poderá ser tirado o primeiro sal; tudo graças aos “7 milhões” e também à contribuição do Avô. A Avó está de acordo: podemos visitar a ilha dos antepassados. Decidimos então regressar à pensão para anular a reserva de hoje e recolher os sacos. Rápidamente retornamos à Vila, onde o tio irá para o mercado adquirir o necessário para o Mucuto. Um duche no Macanji, comprar cigarros, Zed, mais qualquer coisa e regressamos a casa dos avós. Estaciono o carro, a tenda monta-se sózinha e preparo o necessário para a noite. O jantar está pronto, à luz da pilha e da lua, arroz local, muito, com caril de coco e galinha, está razoável; no final, mais uns pedações de frango assado, melhorou; tinha trazido umas Super Bock, um pouco quentes mas de fato ótimas neste ambiente. As histórias são muitas, ao lado do fogo; os tios aparecem, muito animados, estiveram a beber bastante cachaço; vamos controlar alguém para guardar a canoa, já apalavrada pelo tio, para que não saia para a pesca de manhã antes de nós chegarmos. De facto, a cerimónia só será realizada na ilha da família. Céu bem estrelado, apesar da luz do quarto crescente, às vezes escurecido pelas nuvens. Saída marcada para as 6 da manhã, vamos dormir; um vento fresco marca um clima ótimo. Parece de propósito, os coros das mulheres, de três palhotas perto, ecoam alegremente e de forma compassada, musica suave que embala os sonhos.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Ilha Deserta

O sol ainda não despontou e os lichies ainda um pouco verdes despertam os sentidos. Depois de lavar mal a cara na “casa de banho” em folhas de coqueiro, algumas bolachas, água bastante, duas moças lavam a loiça do jantar, arrumo a trouxa e já estamos atrazados: a Avó, o Tio, outro sobrinho órfão, os 2 meio irmãos e eu, saimos a pé ligeiros até à margem do “rio”: o marinheiro aguarda-nos na canoa familiar, prepara um “banco” para mim, folhas de palmeira no fundo do barco para não pôr os pés na água, saimos acompanhados do sobrinho com a sua canoa pequena. Cruzamos-nos com vários pescadores, também de canoa. Pássaros grandes, brancos, de pescoço comprido, ondulam isolados na margem do mangal. À direita o ramo do estuário dirige-se para Micaun, Chinde. Continuamos em frente, junto à margem, em expectativas frustada de sombra: embora ainda cedo, o sol fustiga. Bolas castanhas, grandes, pontuam nas árvores da margem, cortada por enseadas perpendiculares e curtas, segundo diz o Tio; avistamos ao longe, à esquerda, alguns coqueiros, bem acima do mangal; passamos o antigo acesso das pessoas à ilha, avistamos uma linha branca, na barca acostada ao “porto” atual, fazendo uma paragem muito suave junto de 3 canoas e vários homens. A ilha deserta, Iunga, de facto, não o é; houve-se, pouco distante, uma motoserra; no alto da margem, um grupo de negros concentra-se atentivamente nos visitantes; a Avó inicia o desembarque; há alguns pescadores e mais fabricantes de carvão; é grossa a pilha coberta de terra libertando fumo cinzento. Iniciam-se as explicações em Macarungo, junto à tenda grande; um grupo de 5 homens acompanha-nos e penetramos no mato. A Avó tenta orientar-se na paisagem um pouco queimada, à procura de um Cajueiro, o tal. Andamos pouco mais de 15 minutos e paramos – é aqui. Estende-se a secção de folha de bananeira, bem verde, no chão, os sacos de géneros ao lado. Vai começar o Mucuto. A avó dispõe os vários alimentos, as várias bebidas – vinho, cachaço, fanta, sumo, e inicia o desfazer fino da farinha de mandioca sobre a folha verde; vai invocando todos os nomes da antiga linhagem, à medida que o coro dos presentes bate ritmicamente as palmas e em coro sublinha cada personagem. A cerimónia dura mais de 10 minutos e no fim, bebe-se o que há e come-se o que se quer; uma pequena parte è derramada na terra, outra permanecerá sobre a folha verde. Estamos à sombra, sentados na terra coberta de erva e grandes folhas castanho amarelas e secas e as histórias antigas sucedem-se. Antigamente, havia aqui gazelas, macacos, porcos do mato, cobras enormes; as queimadas afugentaram tudo, mas se não as fizessem, não se poderia passar. Vamos passear, deparamos com plantas medicinais (raízes para lavar os dentes), árvores enormes cinzento brilhante de ninho e trepadeira, chegando à beira do mangal, muito verde, do outro lado; deparamos com a antiga localização da casa do dono, espaço não muito grande, rectangular só com capim alto; muito cuidado com o “feijão maluco”, provoca uma comichão diabólica. Está na hora de regressar e o grupo encaminha-se ligeiro para o acampamento da margem, identificando as àrvores onde outros vieram recolher ingredientes terapeuticos. A dona despede-se e instalamos-nos de novo na canoa. No regresso, sol mais quente, cruzamos-nos com uma barca cheia de carvão, 3 homens: levarão 3 dias até Quelimane; passa uma canoa carregada de “nhocas” (folhas de palmeira cortadas e entrançadas para servir de “telhas” vegetais enormes); cruzamos várias canoas ligeiras, o marinheiro recusa-se a cantar…para chegarmos de novo junto aos “padres” após 50 minutos de deslizar suave no liquido verde terra. Há ainda uma questão por resolver, aparentemente, o pagamento do remador, que não é o dono da canoa; são 30 meticais. Não tem problema. Continuamos até casa dos avós. À nossa espera está já um ótimo petisco (preparado pelo avô): pato assado – ainda sobrava uma cerveja; a conversa flui, desafios arrojados, confronto de culturas, entre português e Macarungo (dialecto de Inhassunge, parecido com Etxwabo), os familiares vão chegando, os avós brincam, as crianças observam, atentamente. O avô quer contar as estórias da história, fazendo o ponto da situação: foi Mutoa, o antepassado que tomou conta da ilha Iunga; casado com Fatiama, era empregado da Madal e foi um homem rico (“fumo”); roubou os bois do empregador e fê-los desaparecer na ilha, que nessa altura podia ser acedida a pé na maré baixa; levou também coqueiros, que lá plantou; o seu filho Custema, bisavô dos meio irmãos, teve 3 filhos: Amadeu, Afonso e Marta; o Amadeu, avô directo dos ditos, teve 3 filhos: Arcanje Amadeu Custema, Fernando Amadeu Custema, Francisco Amadeu Custema; o Afonso, teve 5 filhos: Afonso Alifanete Custema, Ana Alifanete Custema, João Alifanete Custema, Marta Alifanete Custema, Luca Luigi Alifanete Custema; e a Marta Custema Mutoa, a tia avó aqui presente, que nos guiou nesta viajem. Faz-se hora de ir apanhar a maré cheia, o avô diz que ainda è cedo, não vale a pena ir já, iremos esperar em Recamba; mas está na hora que se faz tarde e o Surf começa a bufar; grandes abraços de despedida, uma promessa de reencontro. Retomamos a falsa pista sinuosa entre os coqueiros, paramos mais à frente para levar uma mulher, seus dois filhos gémeos pequenos, sua mãe, em visita ao marido hospitalizado em Quelimane; abordamos o areal e desafiamos as lombas. Paramos no mercado para deixar o Tio que vai entregar as garrafas vazias; no Macangi, despedida do amigo, havemos de nos rever em breve; saimos de Mucupia, já depois das 14h, até à Recamba, quase uma hora de areia, lombas, regos, condução intensa. O ferry está do lado de Quelimane e vamos para “O Campino” para um refresco. O som da radio ecoa nas barracas de caniço e palha em frente. O barco chega e depois de sairem as muitas bicicletas e motorizadas faço uma manobra floreada de marcha a tràz para encaixar na ponte mal poisada no cais; vem outro carro, pequeno; aparece um terceiro, e as duas viaturas já embarcadas executam manobras de aproximação especial para fazer lugar…a sirene do barco avisa da partida, sobre fundo musical em Etxwabo. Marcha à rè, saída para os “Bons Sinais”, junto à margem direcção Este contra a maré enchente e depois Norte para Quelimane; o vento corre fresco, aliviando o sol intenso: voltámos à cidade.