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Luso calaico

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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Ilha Deserta

O sol ainda não despontou e os lichies ainda um pouco verdes despertam os sentidos. Depois de lavar mal a cara na “casa de banho” em folhas de coqueiro, algumas bolachas, água bastante, duas moças lavam a loiça do jantar, arrumo a trouxa e já estamos atrazados: a Avó, o Tio, outro sobrinho órfão, os 2 meio irmãos e eu, saimos a pé ligeiros até à margem do “rio”: o marinheiro aguarda-nos na canoa familiar, prepara um “banco” para mim, folhas de palmeira no fundo do barco para não pôr os pés na água, saimos acompanhados do sobrinho com a sua canoa pequena. Cruzamos-nos com vários pescadores, também de canoa. Pássaros grandes, brancos, de pescoço comprido, ondulam isolados na margem do mangal. À direita o ramo do estuário dirige-se para Micaun, Chinde. Continuamos em frente, junto à margem, em expectativas frustada de sombra: embora ainda cedo, o sol fustiga. Bolas castanhas, grandes, pontuam nas árvores da margem, cortada por enseadas perpendiculares e curtas, segundo diz o Tio; avistamos ao longe, à esquerda, alguns coqueiros, bem acima do mangal; passamos o antigo acesso das pessoas à ilha, avistamos uma linha branca, na barca acostada ao “porto” atual, fazendo uma paragem muito suave junto de 3 canoas e vários homens. A ilha deserta, Iunga, de facto, não o é; houve-se, pouco distante, uma motoserra; no alto da margem, um grupo de negros concentra-se atentivamente nos visitantes; a Avó inicia o desembarque; há alguns pescadores e mais fabricantes de carvão; é grossa a pilha coberta de terra libertando fumo cinzento. Iniciam-se as explicações em Macarungo, junto à tenda grande; um grupo de 5 homens acompanha-nos e penetramos no mato. A Avó tenta orientar-se na paisagem um pouco queimada, à procura de um Cajueiro, o tal. Andamos pouco mais de 15 minutos e paramos – é aqui. Estende-se a secção de folha de bananeira, bem verde, no chão, os sacos de géneros ao lado. Vai começar o Mucuto. A avó dispõe os vários alimentos, as várias bebidas – vinho, cachaço, fanta, sumo, e inicia o desfazer fino da farinha de mandioca sobre a folha verde; vai invocando todos os nomes da antiga linhagem, à medida que o coro dos presentes bate ritmicamente as palmas e em coro sublinha cada personagem. A cerimónia dura mais de 10 minutos e no fim, bebe-se o que há e come-se o que se quer; uma pequena parte è derramada na terra, outra permanecerá sobre a folha verde. Estamos à sombra, sentados na terra coberta de erva e grandes folhas castanho amarelas e secas e as histórias antigas sucedem-se. Antigamente, havia aqui gazelas, macacos, porcos do mato, cobras enormes; as queimadas afugentaram tudo, mas se não as fizessem, não se poderia passar. Vamos passear, deparamos com plantas medicinais (raízes para lavar os dentes), árvores enormes cinzento brilhante de ninho e trepadeira, chegando à beira do mangal, muito verde, do outro lado; deparamos com a antiga localização da casa do dono, espaço não muito grande, rectangular só com capim alto; muito cuidado com o “feijão maluco”, provoca uma comichão diabólica. Está na hora de regressar e o grupo encaminha-se ligeiro para o acampamento da margem, identificando as àrvores onde outros vieram recolher ingredientes terapeuticos. A dona despede-se e instalamos-nos de novo na canoa. No regresso, sol mais quente, cruzamos-nos com uma barca cheia de carvão, 3 homens: levarão 3 dias até Quelimane; passa uma canoa carregada de “nhocas” (folhas de palmeira cortadas e entrançadas para servir de “telhas” vegetais enormes); cruzamos várias canoas ligeiras, o marinheiro recusa-se a cantar…para chegarmos de novo junto aos “padres” após 50 minutos de deslizar suave no liquido verde terra. Há ainda uma questão por resolver, aparentemente, o pagamento do remador, que não é o dono da canoa; são 30 meticais. Não tem problema. Continuamos até casa dos avós. À nossa espera está já um ótimo petisco (preparado pelo avô): pato assado – ainda sobrava uma cerveja; a conversa flui, desafios arrojados, confronto de culturas, entre português e Macarungo (dialecto de Inhassunge, parecido com Etxwabo), os familiares vão chegando, os avós brincam, as crianças observam, atentamente. O avô quer contar as estórias da história, fazendo o ponto da situação: foi Mutoa, o antepassado que tomou conta da ilha Iunga; casado com Fatiama, era empregado da Madal e foi um homem rico (“fumo”); roubou os bois do empregador e fê-los desaparecer na ilha, que nessa altura podia ser acedida a pé na maré baixa; levou também coqueiros, que lá plantou; o seu filho Custema, bisavô dos meio irmãos, teve 3 filhos: Amadeu, Afonso e Marta; o Amadeu, avô directo dos ditos, teve 3 filhos: Arcanje Amadeu Custema, Fernando Amadeu Custema, Francisco Amadeu Custema; o Afonso, teve 5 filhos: Afonso Alifanete Custema, Ana Alifanete Custema, João Alifanete Custema, Marta Alifanete Custema, Luca Luigi Alifanete Custema; e a Marta Custema Mutoa, a tia avó aqui presente, que nos guiou nesta viajem. Faz-se hora de ir apanhar a maré cheia, o avô diz que ainda è cedo, não vale a pena ir já, iremos esperar em Recamba; mas está na hora que se faz tarde e o Surf começa a bufar; grandes abraços de despedida, uma promessa de reencontro. Retomamos a falsa pista sinuosa entre os coqueiros, paramos mais à frente para levar uma mulher, seus dois filhos gémeos pequenos, sua mãe, em visita ao marido hospitalizado em Quelimane; abordamos o areal e desafiamos as lombas. Paramos no mercado para deixar o Tio que vai entregar as garrafas vazias; no Macangi, despedida do amigo, havemos de nos rever em breve; saimos de Mucupia, já depois das 14h, até à Recamba, quase uma hora de areia, lombas, regos, condução intensa. O ferry está do lado de Quelimane e vamos para “O Campino” para um refresco. O som da radio ecoa nas barracas de caniço e palha em frente. O barco chega e depois de sairem as muitas bicicletas e motorizadas faço uma manobra floreada de marcha a tràz para encaixar na ponte mal poisada no cais; vem outro carro, pequeno; aparece um terceiro, e as duas viaturas já embarcadas executam manobras de aproximação especial para fazer lugar…a sirene do barco avisa da partida, sobre fundo musical em Etxwabo. Marcha à rè, saída para os “Bons Sinais”, junto à margem direcção Este contra a maré enchente e depois Norte para Quelimane; o vento corre fresco, aliviando o sol intenso: voltámos à cidade.

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