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segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A Serra que Canta

Saímos de Morrumbala passando o aerodromo pela picada em direcção a Oeste, para o rio Chire, descendo alguns montes em curvas até Pinda, na planicie vasta, para falar com o Chefe de Posto primeiro, o Régulo mais à frente, solicitar o seu filho para nos acompanhar. Existem alguns Ebondeiros magestosos, agora prateados à luz do sol, dois deles cheios de pássaros enormes, brancos e negros, de pescoço comprido, habitantes do rio. É uma zona de reassentamento de deslocados das cheias, com muitas casas em tijolo, centro de saúde e escola. Fazemos uma oferta para a cerimónia e seguimos em direcção a Micaula, ao longo da margem esquerda do Rio Chire, pouco antes de chegar à sua confluência com o Rio Zambéze. Aparece um corte perpendicular à pista com cerca de 50 m de largura, aparentemente rio seco, areia e pedras miudas. O jovem relata que há mais de 10 anos surgiu durante uma noite um bicho cobra com rosto de pessoa, que inrrompeu montanha abaixo, causando caos e destruição, abrindo este largo rasto até ao rio; e que a sua esposa ou esposo, poderá surgir a qualquer momento, saindo ali ou próximo, causando grande prejuízo. A população deve estar atenta. Mais à frente, as águas quentes, sulfurosas, brotam em três tanques forrados de ondulados sedimentos ocre esverdeado, junto a ruinas agro industriais imponentes da antiga Companhia da Zambézia. As mulheres lavam as capulanas e os filhos. Raros campos de algodão já apanhado, farrapos brancos dispersos nos ramos médios dos arbustos nas margens da pista. Pouco mais de 15 km e paramos na aldeia de Munguira. Sentamos nas cadeiras à sombra debaixo da Mangueira com o Chefe de Posto, o Secretário de Posto, o Regulo, o Fumo, o Secretário de Bairro, explicamos o motivo do nosso desejo de subir à serra. Adquirem-se os produtos para a cerimónia. Designa-se o guia. Saímos às 10h e 30 minutos, sol e calor abrasador. O guia inicia um ritmo rápido, contornando o Centro de Saúde para sair da aldeia e subindo de forma mais acentuada através da floresta. Fazemos duas paragens rápidas antes de chegar ao primeiro terço, relevo marcado percebido lá em baixo. Respiração ofegante, pulsação rápida, corpo muito quente. Temos a primeira desistência. A inclinação acentua-se, as sombras são raras. Água, respiração apropriada, esforço controlado. Aparece um macaco grande a comer Massalas que foge monte acima. Cruza-se a descer uma mulher bem disposta. Primeira machamba, mais acima duas casas, uma familia alargada, um homem escava à mão um buraco para a colocação de mais um pau em nova palhota em construção. Um fruto vermelho oval com polpa granulosa doce amarga. Persiste a inclinação difícil, carreiro entre o capim alto, terra solta com palha, desliza. Os musculos começam a doer. Para cima, nem o Diabo empurra. Pequeno corgo com bananeiras, está ali a água fresca. Bebemos bastante e abastecemos as garrafas. Carreiro estreito em falésia marcada, rochas e pedras grandes. Nova machamba, milho, mandioca, amendoim, mais uma casa um homem. Passamos o segundo colo. Atravessamos o vale e aparece então ao longe, pequenina, a antena no horizonte alto. Carreiro sinuoso, muita pedra, zona queimada, faz-se longo, mas ao fim de 3 horas, chegamos a Saikuni, também nome do Fumo local, disciplo do Regulo Sapanda. Lindos, minusculos, vermelhos e doces tomates abundam inexplicavelmente entre as pedras médias. Uma tenda de paus e plastico, vazia, com uns restos de fogo e lenha, dois tachos, uma mochila, um cartão grande dobrado no chão. Comemos tomates deliciosos, bebemos água, mastigamos umas bolachas. Quando chega o guarda das 4 antenas, vem de arco e flechas – atira bem longe, serve de arma de caça para coelhos, galinhas do mato e gazelas. Rimos de histórias da construção das antenas, falamos sobre os vários locais da serra – o pico das cobras, a origem do canto. Temos amendois e bolachas ainda para partilhar. A pouco mais de mil metros de altitude, apesar do fumo das inúmeras queimadas dispersas em todo o horizonte, avistamos a Oeste o Rio Zambéze, limitando Tete com Sofala, onde conflui ao longe a Sul o Chire, limitando a Zambézia. A Norte, as silhuetas das casas e os reflexos dos telhados de chapa da Vila de Morrumbala, sede do Distrito. A Sudeste, muito ao longe, os picos rochosos de Mopeia. Uma hora de descanso deve chegar, despedimos-nos e iniciamos a descida. Bebemos e abastecemos de água no mesmo sítio. Passamos a família que permanece tranquilamente sentada à sombra. A miuda dos seus sete anos no alto dos ramos da mangueira colhe alguns frutos, aparentemente muito verdes. Saudamos e seguimos monte abaixo. Primeira paragem após uma hora, com os joelhos de manteiga. Sentar, esticar as pernas. Temos pressa. Para baixo todos os santos ajudam. Mantemos um ritmo rápido, esforçado, escorrega-se às vezes. Mais 45 minutos e estamos na aldeia. Foi um passeio duro, agradecemos o apoio do Regulo, Fumo e companhia, retiramos-nos satisfeitos e bem cansados. A montanha só canta em certas épocas do ano. Voltaremos!

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